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A mostrar mensagens de fevereiro, 2022

[nera 09]

 “De que adiantam suas meias se não me aquecem por inteiro?” Penso nos eus femininos que me vendem, que me rasgam, que me cheiram e que me deixam. Eles reverberam mais do que uma noite e atravessam uma vida inteira. São acasos que rezam pro estremecer do meio das pernas de um santo no qual a fé não crê: uma oração assimétrica que você insiste em ler. - elizabeth gomes 

[nera 06]

Há um espetáculo nas praças que nasce da disparidade entre os poetas e os finos herdeiros dos reinos das traças. São eles os desertores de um peito que afaga. Os símbolos que me corroem são só resultados da mágoa da qual me alimento. E não me arrependo: nem da dupla via do peso da mão, nem do mútuo vazio que fica por dentro. - Nera 06 - elizabeth gomes 

[nera 07]

Já prometi poemas à luz do luar que não se concretizaram em decorrência da ausência da tinta, do tato e de ti. Houve meia dúzia desses versos em passados distantes - há mais de meio século, quando os amores eram raros, vastos e cegos - e a euforia do amanhã nunca chegava porque não existia. Era ali que eu nascia e morria. Uma meia que não aquece, uma carta que não chega, duas vidas que não cessam num rompante dessa descontinuidade cíclica e controversa. A tua voz insistente ao redor da cabeceira rangente que não espera. E você pensa que não erra. É em meio a essas eras - décadas sem fim de uma realidade paralela à base de luz solar e gin - que o poema seca. Ouço o barulho estremecente do descarrilhar de um trem. Ele chega. Você também. - elizabeth gomes 

[Nera 05]

 A cada 4 ou 5 ventos escorre um fino atravessamento: um momento-alvo de esvaziamento. Quando vejo na bússola  o destino do meu cântico  e rodo em círculos qualquer estouro sonoro interrompe a linha do poema (talvez por isso o total desalinhamento dos fonemas) Uma ausência sem antídoto que torna o corpo bárbaro Um sofrimento específico  de um espetáculo sem público  que me toma o espírito  em esforço lúdico  de permanecer estático  Fico sem fôlego quando acabo. - Elizabeth Gomes 

[Nera 04]

 São barreiras que me imponho se suponho que versos limpos vão nascer do fim de um sonho Duas pastas reviradas desafiam o abandono de um poeta inócuo em noites ínsones nas quais, aos poucos, decomponho. - Nera 04 - elizabeth gomes

[Nera 03]

 O espaço entrelinhas permanece em dois sentidos da mesma pista: entre o verde-âmbar dos olhos e o irrisório colar ametista que supus ser o sonho pra quem delira em versos a perder de vista  Há uma série de poemas impressos com meios-versos surrealistas que ditam o fim de um poema que nasceu soneto e morreu anarquista. - Nera 03 - Elizabeth Gomes

[Nera 02]

 É risível o verso corrompido. Estreito a sensação do poema vívido em meio aos átomos que alicerçam o meu ofício Um dia fui de algo transtornado em vício transformado em calo tecido em sangue e vidro costurado em aço  e me dando indício Daquilo que não faço daquilo que não vivo daquilo que não falo Os passos saem invictos mas os fogos são cessados indicando o tal do amor que não acabo Aguardo o argumento (ainda que infundado) de um tempo tão futuro que poderia ser passado "O pretérito mais-que-imperfeito não leva em conta os meus planos pra seguir" Vejo aproximar um poeta que volta a existir - NERA 02 - Elizabeth Gomes

[Nera 01]

 Há um sem fim de versos travados uma série de linhas pra um poema inacabado. Que contrapõe a métrica que se alimenta à vácuo  de um sentimento inócuo sofrendo da síndrome de submeter aos trópicos os desvarios pátrios do estrebuchar dos músculos Que se debatem, parvos Que sobrevivem, pífios E desembocam, rios E reiniciam o ciclo Um vai-e-vem impávido de um peito ácido  que recusou dois filhos: Uma máquina E um mamífero - Nera 01 - Elizabeth Gomes