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[nera 11]

I. São comuns os desvarios desse poema tardio que não vai e não fica. Que me distrai no decorrer das linhas. E destrambelha as rimas. E desenrola os vícios. Que me indica o caminho no retorno do inferno e se retira.   II. Me recordo dos mil poemas que morreram enquanto a eternidade do aro-foice era sinal de garantia. Pena que a parte do que parte seja parte recaída. Quiçá seja esse o motivo da tempestade na rotina.   III. Há um poema pendurado na parede dos prêmios e aplausos. É nele que falo sobre a maldição do acaso. É ele que me lembra diariamente do que não gosto, do que preciso e do que não faço. É ele que me destroça toda vez que me descalço. Que me desnuda quando sussurra um nome que não falo. E é dividido em três pedaços: "a falência dos meus órgãos, dos meus gostos e do meu tato". Nasceu prevendo um futuro feito de hiato.   IV. A paz não floresce no asfalto da cidade, por isso o pé cratera no chão quente. Por isso a ausência faz morada nas lacunas.

[nera 09]

 “De que adiantam suas meias se não me aquecem por inteiro?” Penso nos eus femininos que me vendem, que me rasgam, que me cheiram e que me deixam. Eles reverberam mais do que uma noite e atravessam uma vida inteira. São acasos que rezam pro estremecer do meio das pernas de um santo no qual a fé não crê: uma oração assimétrica que você insiste em ler. - elizabeth gomes 

[nera 06]

Há um espetáculo nas praças que nasce da disparidade entre os poetas e os finos herdeiros dos reinos das traças. São eles os desertores de um peito que afaga. Os símbolos que me corroem são só resultados da mágoa da qual me alimento. E não me arrependo: nem da dupla via do peso da mão, nem do mútuo vazio que fica por dentro. - Nera 06 - elizabeth gomes 

[nera 07]

Já prometi poemas à luz do luar que não se concretizaram em decorrência da ausência da tinta, do tato e de ti. Houve meia dúzia desses versos em passados distantes - há mais de meio século, quando os amores eram raros, vastos e cegos - e a euforia do amanhã nunca chegava porque não existia. Era ali que eu nascia e morria. Uma meia que não aquece, uma carta que não chega, duas vidas que não cessam num rompante dessa descontinuidade cíclica e controversa. A tua voz insistente ao redor da cabeceira rangente que não espera. E você pensa que não erra. É em meio a essas eras - décadas sem fim de uma realidade paralela à base de luz solar e gin - que o poema seca. Ouço o barulho estremecente do descarrilhar de um trem. Ele chega. Você também. - elizabeth gomes 

[Nera 05]

 A cada 4 ou 5 ventos escorre um fino atravessamento: um momento-alvo de esvaziamento. Quando vejo na bússola  o destino do meu cântico  e rodo em círculos qualquer estouro sonoro interrompe a linha do poema (talvez por isso o total desalinhamento dos fonemas) Uma ausência sem antídoto que torna o corpo bárbaro Um sofrimento específico  de um espetáculo sem público  que me toma o espírito  em esforço lúdico  de permanecer estático  Fico sem fôlego quando acabo. - Elizabeth Gomes 

[Nera 04]

 São barreiras que me imponho se suponho que versos limpos vão nascer do fim de um sonho Duas pastas reviradas desafiam o abandono de um poeta inócuo em noites ínsones nas quais, aos poucos, decomponho. - Nera 04 - elizabeth gomes

[Nera 03]

 O espaço entrelinhas permanece em dois sentidos da mesma pista: entre o verde-âmbar dos olhos e o irrisório colar ametista que supus ser o sonho pra quem delira em versos a perder de vista  Há uma série de poemas impressos com meios-versos surrealistas que ditam o fim de um poema que nasceu soneto e morreu anarquista. - Nera 03 - Elizabeth Gomes